1 Quando foi seu primeiro contato com a bicicleta e o que despertou seu interesse pelo ciclismo?
Primeiro contato dentro de treinos e provas foi com 17 anos. Alguns amigos na faculdade precisavam de uma companheira para a equipe de corrida de aventura deles e me convidaram para participar de uma prova com eles. Na época só pedalava da casa para o clube e volta mas tinha uma base de esportes desde a infancia.
Isso foi ha 20 anos atras. Entrei nesse universo das corridas de aventura mas a modalidade que mais gostava era o mountain bike e comecei a procurar mais provas so de mtb mesmo. O ciclismo veio muito depois, ha 7 anos atras, por acaso. Corria com meu marido e ele teve uma lesão e precisou ficar um tempo sem muito impacto. Eu aproveitei a oportunidade e sugeri de ele fazer aulas de ciclismo, ciclismo por morarmos em Sao Paulo. Obviamente fui junto e voltei para a bike conforme ele foi curtindo e se envolvendo com o esporte.
2 Como desenvolveu sua trajetória no universo do ciclismo até hoje?
Comecei pelo mountain bike, em 2001. Fiz muitas provas no Brasil, algumas poucas na elite, Xterra e provas de aventura mas precisei dar um tempo nas competições de 2006-2007 por causa do trabalho. Comecei a trabalhar no mercado financeiro e não tinha tempo e espaço para a bike na rotina. Em 2015, já fora do mercado financeiro, meu marido teve a lesão na corrida e trouxe ele para o ciclismo. De lá ate hoje foi um processo de vir do amador, de 2015 a 2017 e no começo de 2018 aprendi o que era a elite, corri pouquissimas provas no Brasil e já fui convidada pela Cannondale para passar uma temporada na Europa na Cylance, equipe feminina pro tour que eles patrocinavam na época. Obviamente estava crua e, já casada, com uma vida estabelecida no Brasil. Até recebi o convite de outra equipe para ficar na Europa mas acabaria com o casamento então, escolhi a família.
No final de 2018, a Vivi Favery, atleta da Cannondale na época, me convidou para correr a Brasil Ride e eu me reencontrei no mountain bike. Desde lá, sigo correndo na elite no mtb como primeira modalidade e faço provas de gravel e road para me divertir de vez em quando.
3 Sabemos da dedicação que existe quando se busca performar, são horas e horas em cima da bicicleta, alimentação, fortalecimento muscular, massagens entre outras atividades que compõem o dia a dia de um atleta de alto nível. como você concilia sua vida pessoal em meio aos treinamentos e como funciona sua rotina de treinos?
Eu hoje moro em Miami, faço faculdade de ciência do exercício e tenho alguns alunos que treino, além de treinar. Quando cheguei aqui fui em busca de um treinador local para poder trocar mais durante o dia a dia e porque precisava melhorar muito a minha tecnica.
Minha rotina não dá espaço para perder tempo então, preciso ser eficiente. Nem acho que o ideal, no meu caso, seria ter todo o tempo para me dedicar aos treinos porque preciso manter a cabeça ativa e gosto de olhar o esporte por diferentes perspectivas. Treinar outras pessoas é enriquecedor intelectualmente e, tendo a faculdade paralelamente para aprender a teoria e aplicar a prática nos meus treinos e dos meus alunos é um privilégio.
Dito isso, o segredo está na organização. Monto minha semana e encaixo tudo na agenda, tenho lista de tarefas, anoto todos as percepções dos meus treinos, troco muito com meu novo coach/mentor e me mantenho consciente para absorver o máximo de informações que saem dessa troca. Recentemente fui atrás de um novo coach, agora senti a necessidade de um mentor e estou bem feliz com essa nova mudança.
Normalmente treino de manhã, preciso acordar cedo para fazer meu dia render, e começo a trabalhar e estudar durante o meio da manha, até as 17:00-18:00 horas mais ou menos. Depois das 17:00 encaixo o segundo treino ou, nos dias em que não dobro treinos, faço uma série de exercícios de mobilidade, respiração e meditação. Essa parte da recuperação, na minha idade é fundamental. Não tenho o costume de fazer massagem, deixo para as provas por etapas, quando posso.
Alimentação também é um ponto bem importante para manter essa rotina um pouco mais densa. Como bem, não faço dieta e, depois de errar muitas vezes, hoje prefiro errar para mais do que para menos. Basicamente, evito doces, frituras e refrigerantes, não consumo álcool durante a temporada e o unico tipo de suplemento que uso são carboidratos e proteinas em pó, geralmente ao redor dos treinos, e vitamina C e Zinco para a imunidade. Como sou mulher e tenho o ciclo menstrual regular, de vez em quando também suplemento com ferro em pilulas para evitar a leve anemia que o sangramento do fluxo pode causar.
Por último, treinos de força, faço durante o ano inteiro. Atleta profissional, na minha opinião, não pode ficar sem treinar força em nenhuma época do ano. Ainda mais na minha idade!
Além de tudo, tenho um marido parceiro, isso faz bastante diferença na execução desse plano de voo, principalmente em épocas de muitas provas.
4 Qual o momento ou lugar inesquecível que a bicicleta já te levou?
Ah, são tantos que é difícil escolher um só. Eu corri o Haute Route Dolomitas em 2017 e foi uma das paisagens mais incríveis que já vi na vida. A turma era especial também então a viagem ficou muito especial.
Correr na Cylance, pedalar ao lado de todas as minhas ídolas da época também foi muito legal, um baita privilégio.
Uma que não posso deixar de fora também, são as provas no Brasil, com a torcida local. O Brasil Ride na Bahia é uma delas, descer a escadaria de Arraial D'Ajuda com um monte de gente gritando e torcendo para você é uma sensação única.
5 Como você enxerga esse largo crescimento do ciclismo no Brasil?
Acho que o ciclismo é um esporte muito legal porque empodera as pessoas. Aprender a pedalar, superar os desafios, descobrir que você pode fazer o que quiser, se realmente quiser, é mágico. A liberdade que a bike traz e a comunidade que formamos no ciclismo para mim, são a cereja do bolo. Acho que essas características são algumas das mais importantes e que fazem esse esporte tão especial.
Em termos técnicos; o clima; nossos terrenos para o mountain bike; o surgimento de ídolos como o Henrique Avancini; a (ainda tímida) mas existente inclusão de políticas públicas para facilitar a prática em São Paulo, por exemplo; e o fato de nosso país ser mais pobre e precisar depender da bike como meio de transporte também ajudam.
6 as mulheres tem conquistado cada vez mais espaço dentro do ciclismo nacional e internacional, assim como em outros esportes.
Como você analisa o ciclismo nacional feminino e o que precisamos para alavancar esse crescimento?
Acho que material humano, temos de sobra. Mulheres fortes e cheias de personalidade, com capacidade de chegar aonde quiserem.
Começamos um movimento de união dessas mulheres, estamos criando a comunidade e praticando a troca de informações para tentarmos fechar essa diferença que ainda existe com a Europa e Estados Unidos.
Existem varios tipos de ações que podemos fazer para isso, precisa apenas ter vontade e juntar as peças.
Eu e um grupo de quase 10 mulheres ciclistas começamos uma ONG no final do ano passado para elevar o nível do ciclismo feminino no Brasil e trazer mais oportunidades, estamos com inúmeros projetos legais no forno. Esse é só um dos exemplos, esse tipo de movimento é contagiante e cresce a cada dia no Brasil.
7 Quando você percebeu que a paixão havia se tornado um trabalho?
Eu sempre sonhei com isso mas, vindo de uma vida no mundo corporativo, é difícil encarar o desafio e se lançar em um universo novo, principalmente em um país aonde o esporte em geral não é desenvolvido, não tem tantas oportunidades claras.
Há 20 anos atrás, migrar para o mercado financeiro foi uma decisão assertiva, vida de atleta lá atras era inviavel sem apoio financeiro da família.
Hoje acho que tem espaço mas precisamos ainda abrir o espaço então, esse desafio ainda existe e acho ainda estou no processo de conseguir transformar em trabalho mesmo.
8 além do ciclismo qual sua outra paixão?
Arte, música e estudar. Adoro ler e aprender.
Nos esportes, se não fosse ciclista eu iria para o surfe, amo a relação com o mar e a sensação que estar numa prancha te tras.
9 o que a bicicleta representa para você?
Talvez algo que eu nem consiga descrever em palavras. É o meu veículo para a felicidade e desenvolvimento pessoa nessa vida. A bike está enraizada na minha identificação como pessoa, é como uma linguagem, um vício que não consigo e nem quero me desvencilhar e, quanto mais eu me envolvo, mais eu quero me envolver rs.